Na última semana, depois de oitenta dias preso numa cela improvisada de menos de 20 metros quadrados na sede do Batalhão de Trânsito em Brasília, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) era um pote de mágoas.
Mostrava irritação especial com a cúpula do PT e do governo. Ainda nos primeiros dias de cárcere, um ministro de Dilma fez chegar a ele um recado de que sua prisão não perduraria.
A promessa era de que o governo interferiria junto ao Judiciário, nos bastidores, para afrouxar a prisão preventiva decretada pelo Supremo, após gravações mostrarem que ele estava interferindo nas investigações da Lava Jato.
Em troca, o petista pouparia o partido e seus principais líderes de novos constrangimentos. O acordo não foi honrado. O rancor somado às pressões de familiares, principalmente de sua esposa Maika, levou Delcídio ao seu limite.
Agora, pessoas próximas a ele dizem que o acordo de delação premiada é cada vez mais inevitável e que ele já teria estipulado até mesmo uma data para a decisão: depois do julgamento de um agravo regimental interposto contra a decisão do ministro do STF Teori Zavascki, que impediu a sua soltura no fim do ano. Se sofrer outro revés no pedido – que deve ser apreciado em breve pelo tribunal – a delação se tornará uma realidade.
Os advogados responsáveis pelo caso já começaram a relacionar as informações que ele poderá acrescentar às investigações. Ocorreram até negociações preliminares com procuradores. Um esboço do que poderá ser a delação de Delcídio está redigido e em posse de membros da força tarefa da Lava Jato. Os apelos para que o senador entre no time dos delatores e assim possa adquirir o direito à prisão domiciliar são feitos principalmente pela sua mulher, Maika.
Empresária que costumava frequentar as colunas sociais de Campo Grande e os mais badalados endereços em Brasília, no Rio e em São Paulo, vem sendo hostilizada. Ao lado das filhas, se mudou do Mato Grosso do Sul para Florianópolis, onde a família possui um imóvel. Em suas conversas com o senador, Maika faz questão de lembrar o que chama de abandono a que o marido vem sendo submetido.
As visitas na prisão são autorizadas às quintas, sábados e domingos, por uma hora e meia pela manhã e pela mesma quantidade de tempo à tarde. Nenhum politico de peso ou autoridade do Planalto visitou o senador. O horário disponível é preenchido em sua maioria por seus advogados, sobretudo Maurício Leite e Antônio Figueiredo Basto, pela esposa e pelas filhas. Os dias na prisão têm sido agoniantes para Delcídio. Na cela improvisada há uma cama, um armário e uma escrivaninha, à qual o petista se senta para ler – exaustivamente, segundo relatam policiais do batalhão – as peças relacionadas a seu processo no STF. Vez por outra, tem à disposição um espaço para tomar sol, além de uma sala e um banheiro.
Conhecido pelos hábitos de bon vivant, agora Delcídio convive com uma dieta especialmente preparada de acordo com as restrições médicas alegadas por sua defesa. Um forte contraste, sobretudo se comparado a ocasiões como a festa de 15 anos da filha caçula, na qual seis chefs de cozinha diferentes prepararam mais de 30 iguarias aos presentes, regadas a champagne Veuve Clicquot e whisky Johnny Walker. Conforme relataram colunistas locais, os pratos iam de tornedores de pupunha grelhados na manteiga de sálvia a camarões da Escócia com purê de macaxeira e wasabi, além de queijos importados, foie gras e todo o mais que pudesse impressionar a elite campograndense.
A provável delação de Delcídio tem potencial devastador. Ele não deve apenas confirmar o relato de outros delatores. Deverá ir além. Próximo do governo dos últimos três presidentes, ex-militante tucano e profundo conhecedor da área de energia no País, Delcídio tem conhecimento, de fato, para confirmar se os mandatários do Planalto sabiam da existência do Petrolão e, mais ainda, se apoiaram ou se beneficiaram diretamente do esquema.
Primeiro senador encarcerado em exercício desde a redemocratização, Delcídio teve sua prisão preventiva determinada após o Supremo ter acesso à gravação de uma conversa entre o petista e Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. No encontro, realizado no dia 04 de novembro do ano passado, no Hotel Royal Tulip em Brasília, Delcídio ofereceu a Cerveró uma fuga do País além de uma mesada de R$ 50 mil, para que em troca seu nome fosse preservado na delação premiada do ex-diretor à Polícia Federal.
NOVA ROTINA
Filha de senador em visita ao pai: alvo de atos hostis, família se mudou de cidade
Fotos: Pedro Ladeira/Folhapress